sábado, 14 de junho de 2008

A dança croata

É impensável aceitar qualquer deliberado propósito do professor para pôr à prova o que quer que fosse e, muito menos, os sentimentos dos seus pupilos, quando decidiu
que eles mudassem de par.A movimentada dança fazia parte de um número do folclore
croata em que as damas e os cavalheiros,em filas frontais, se tinham de colocar de braço dado, enquanto volteavam pelo palco.Inicialmente era escolhido um par mas,
quando o número fosse repetido,apenas por exigência coreográfica,a dama teria que
ser trocada.Tudo isto era inocente e tanto a dama como o cavalheiro eram livres de
escolher o par que quizessem.Feita a primeira repetição do ensaio,certa dama,antes
do sinal de arranque avançou e, de imediato,agarrou o braço do cavalheiro com quem
tinha já dançado.À parte pequenos aceitáveis desacertos,todos os pares se portaram
bem,porém, a professora, decidiu insistir, repetindo o ensaio.Toda a gente se posicionou nos seus devidos lugares.Contudo,antes do sinal de arranque, já a certa
dama estava novamente agarrada ao braço do seu anterior parceiro.
Certamente que ninguém deu importância ao sucedido,apenas o marido da dama,exclamou
aparentemente agastado: Não vale escolher sempre o mesmo parceiro!...

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Cabelos negros

Naquela fria e cinzenta tarde de Domingo quando ele chegou à fila para tomar o autocarro, já lá estavam umas quinze pessoas.
Na fila, à sua frente,postava-se uma agradável figura de mulher.
Cheirosa,mais ou menos da sua estatura...sapatos pretos de salto alto...e dona dos
mais belos cabelos negros que os seus olhos jamais viram.
Como seria o seu rosto?

Inclinou-se um pouco.O perfil era também agradável.
Aproximou-se um pouco mais e,perto da sua nuca murmurou...
É natural a cor dos seus maravilhosos cabelos?
Após uma breve pausa,para seu espanto, ela respondeu: Não...são pintados...
São uma maravilha; disse ele.
A dama excitou-se; voltou ligeiramente o rosto e, esboçando um adorável sorriso,
respondeu: Muito obrigada...

O autocarro, entretanto, chegara e as pessoas foram entrando até que chegou a vez da dama dos cabelos negros. Ele, que a seguia, sentou-se a seu lado.
Tendo por tema os negros cabelos,foi fácil o arranque do diálogo e, sem demora se
estabeleceu a "comunicação". E, quando pouco depois,ele,preparando-se para sair do autocarro lhe perguntou; não quer sair também; não admirou que ela,sem nada dizer,se
levantasse também para sair.

Sentaram-se na primeira pastelaria que encontraram.
Conversaram...conversaram...e então ele arriscou; permite-me que afague os seus cabelos? Ela sorriu, e com um ligeiro inclinar da cabeça "disse" que sim.
Estava derrubada a ultma barreira.

Horas depois,quando a matutina alva já despontava no horizonte,ela saiu.
Segundos depois,ele,pousando as chaves do aposento sobre o balcão da recepção saiu também.
Um táxi os aguardava.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

A hortinha

No decurso da minhas matutinas digressões,já tinha passado muitas vezes por aquele
quintalinho.Quando muito,a sua área andaria pelos cem metros quadrados.
Eu não percebo nada de agricultura, mas gosto de ver coisas bem feitas.
Aquela hortinha, tinha um pouco de quáse tudo; Couves galegas (as do caldo verde),
couves pencas, vagens ( que lá pela capital chamam de feijão verde),cebolas ,alhos...
Via-se que tudo tinha sido feito com muito agrado.
Naquele dia parei.
Parei, porque o autor de tão asseada horta, estava à vista.
Mas não estava a trabalhar na sua horta...encostado ao longo cabo da sua sachola estava a contemplá-la!...
Dei-lhe os parabéns e os seus "agradecimentos" duraram mais de uma hora a ser-me dados. O hortelão, tinha fome de falar da sua obra.
Comecei a trabalhar na terra, diz-me ele,quando tinha dez anos.Mas não eram terras
deste tamanho!...eram terras enormes, que levavam meses a amanhar...
Trabalhei muitos, muitos anos...sempre gostei do que faço...
Fez uma pausa e mudou de assunto.
Aqui há uns bons anos, eu sempre urinei muito bem,o meu rim direito começou a asnear.
Passei a ser tratado no Hospital de S.João. Os senhores doutores, de tanto andarem à
volta de mim,resolveram tirá-lo...eu ainda lhes perguntei;Estava ruim o meu rim senhor doutor? Ruim ?! respondeu ele,estava bom para dar ao gato!...E tenha cuidado,
porque o outro rim, o que ainda está bom, tem cinco anos para lhe provar que consegue
fazer sozinho o seu trabalho...Eu bem percebi o que eles queriam dizer com aquilo...
Agora, voltou a mudar de assunto,o que me anda a afligir é a coluna!...
Agarrado à cintura, enquanto fazia uma careta,acrescentou;A sachola já pesa muito...
em cima dos meus oitenta e três...
Eu,que tinha de completar o meu pedestre giro,fiz menção de me despedir mas, o hortelão não consentiu ao perguntar; e você,quantos anos tem?
Lá lhe disse a minha idade.
Torceu ligeiramente o pescoço, dizendo: Não está mal, não senhor...
Fez uma pausa, para depois dizer; Olhe senhor, eu não sei a sua graça, mas tenho que
lhe dizer uma coisa...nunca ninguém tinha gabado tanto a minha horta...muito obrigado.
O nó da sua garganta,moveu-se.
Para disfarçar,tossiu...
Depois,com um enorme lenço vermelho,sonoramente,fingiu que assoava o nariz...