sexta-feira, 30 de novembro de 2007

O viajante

Na gare,o alentejano aguardava a chegada do Sud vindo do Norte.De tamancos,espesso
capote até aos tornozelos e chapéu preto de abas largas.Numa das mãos,uma cestita de
verga vermelha, com a merenda.O comboio pára e o homem sobe,sentando-se comodamente
na primeira classe,onde não viajava mais ninguém.O revisor mira-o de alto a baixo e
diz: Olhe que a 3ªclasse é mais lá patrás!...Eu sei, disse o homem.Pra onde vai?
Insiste o revisor.Santa Apolónia, foi a resposta.O finório do revisor ripa da sua
sacola,rabisca,e entregando ao passageiro um bilhete,diz-lhe:São dois mil reis...
O alentejano estende uma nota de vinte mil reis e diz para o revisor: Aproveite e
pague-se também dos outros sete lugares.Quero seguir sozinho neste compartimento.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Preferências

O vigilante,calçando sempre as suas belas luvas pretas era,lá no liceu,o guardião da sua mana.Um dia,a mana foi queixar-se-lhe de que um certo matulão, fora inconveniente.
O vigilante,imprudente,foi ter com o matulão e perguntou-lhe: Ó pá,queres ser mais educado quando te dirigires à minha irmã, ou queres apanhar um par de sopapos?...
O matulão, ao mesmo tempo que aplicava um tremendo murro no olho direito do vigilante,respondeu: Toma...eu prefiro dar.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Bom proveito

Alto,bem falante e forte,cantava e dançava como um profissional.Tocava lindamente
clarinete mas,dependendo do modo de ver,o seu casamento não tinha dado muito certo.
Diziam os que sabiam, que um "amigo" da esposa lhe tinha oferecido,entre outros mimos,uma bela indumentária de alta costura.Perante isto,um vizinho atrevidote,
perguntou ao exímio tocador de calarinete: Ó pá,tu sabes o que,desta vez,se diz por
aí? Claro que sei,disse; e acrescentou; Então não é justo que quem tem a fama,tenha
tenha também algum proveito?...

A Guiomar

...e em baixo,era a salinha onde estudava o Carlitos e o seu vizinho e amigo André.Mesmo ao lado, era o quarto de dormir da Guiomar, a empregada dos senhores doutores.Os meninos,como lhes chamava a Guiomar, eram muito reinadios, e ela gostava muito de reinar com eles.Um dia a Guiomar,que apesar de trintona nem namorado tinha,apareceu de barriga cheia.A sua patroa e Mãe do Carlitos,que era pediatra,quis saber quem era o pai. A Guiomar,moita,bico calado. Porém,pelo nono mês, a Guiomar aflita, pediu ajuda à patroa.Esta foi peremptória...não conte comigo enquanto não me disser quem é o pai.A Guiomar, já a gemer,cedeu e disse:É dos meninos.Dos meninos?! Gritou a doutora; De qual deles?...Já a criança mostrava a moleirinha,quando a Guiomar gemeu;Não seiii...

Até sempre...

Conheceram-se numa galeria de arte.Ela,tristemente bela,era transportada na sua cadeira de rodas. Longos e belos cabelos negros emolduravam-lhe o seráfico rosto.
Ele,exibia a jovialidade dos seus dezoito anos.No fim da visita,foram tomar um chá.
Olharam-se enternecidamente e encantaram-se. Ela, na despedida,estendeu-lhe a
enluvada mão e, segurando entre os dedos uma cartão,dizia que gostaria de voltar a vê-lo.Ele,com um esboçado ósculo,apresentou-se:Álvaro de Sousa Bastos. Poucos dias
depois, um Mercedes negro, foi buscá-lo à estação ferroviária da Régua. A Morgada de
Fiãis,recebeu-o na sua mansão.Depois do jantar,no salão,conversaram até tarde.Depois,
na sua alcova,amaram-se.A vida,não voltou a reúni-los.Implacável,o tempo não parou.
Passam-se trinta anos.Ele volta à Régua e dizem-lhe: A Morgada,vai para trinta anos que morreu.De parto.Quem tudo herdou, foi seu único filho;Alvaro de Sousa Bastos Junior.

sábado, 24 de novembro de 2007

O Sermão

A urna,carregada por seis amigos de falecido,seguia logo atrás do senhor abade que,
sob o pálio, era acompanhado pelo seu sacristão e por dois jóvens acólitos.
Depois,seguiam os chorosos parentes e muitos amigos.
O falecido era muito querido na aldeia.
No cortejo fúnebre, seguia a banda, da qual em vida, o falecido tinha sido durante
muitos anos o maestro,e o maior dinamizador.
Era uma boa banda. Tinha vinte instrumentos!...
Um tambor,grande e muito grave,ladeado por dois mais pequenos;
Quatro caixas rufadoras e duas trompas;
Quatro trombones, dois clarinetes, três acordeões e um par de saxofones,completavam o conjunto.
E porque o falecido tinha manifestado esse desejo, a banda, durante todo o percurso,
deveria fazer-se ouvir em tom fúnebre apenas até ao portão do cemitério.
Dentro do cemitério,a urna seguiria de carreta e só soaria o bombo.
Em toada muito leve e compassada.

Logo que a urna chegou ao portão,fez-se a mudança para a carreta e, depois do sinal
do senhor abade,o cortejo iniciou a etapa final.
Em compasso muito lento,o bombo fe-se ouvir; bãom...bãom...bãom...

Entretanto,a Mãe do falecido, viúva já na casa doss oitenta e que tinha problemas de saúde,tinha sido conduzida para próximo da cova onde,a seu pedido,ouviria o sermão
fúnebre.
A chorosa senhora,sentada numa cadeira de braços e fazendo deslizar por entre os dedos,as contas do seu rosário,aguardava a chegada do seu único e querido filho, ouvindo, já perto de si o cadenciado...bãom...bãom...bãom...
Rezando,passava em revista os últimos anos da vida do seu querido filho.

As graves batidas do tambor,juntamente com o rilhar das rodas da carreta na áspera
trilha de terra batida,furavam seus ouvidos e chegavam-lhe ao coração.
A velha senhora,sentiu-se perturvada, confusa...
Sua cabeça,tonbou-lhe sobre o peito...
Os sons, chegavam-lhe agora muitos lentos, suaves, etéreos...
Bãom.............bãom.......................bãom.....................................

O senhor abade,naquele fim de tarde, deve ter feito o mais belo sermão fúnubre de toda a sua vida.
E a velha senhora,transportada já para o altissimo,sorria...enlevada...

Deus os tenha em sagrado descanso.

Amen.

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

A caçada cardinalícia

Sua Eminència, fez questão de tomar parte na caçada.
A sua comitiva, levou-lhe o cadeirão de braços e um tripé para apoiar a arma.
Os acólitos, puseram-lhe a jeito,uma peça de caça. Seria só apontar e disparar.
Sua Eminência, apoiou o queixo na coronha, mas não gostou...levantou a cabeça
e ajustou a mira, subindo um pouco o tripé, voltando a acomodar a papada na coronha.
Refez a mira, e enfiou o seu dedo indicador direito no guarda- mato.
O dedo acariciou o gatilho, mas Sua Eminência não disparou.Vagarosamente, voltou a
erguer a cabeça...levou o dedo ao olho direito e coçou-o.
Um dos numerosos convidados, desagradado, murmurou:
Grande seca... é no que dá, vir caçar com....

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Agressão

O Ti Joaquim, era dono de uma quintinha vedada, onde havia muita fruta. Um catraio lá do
sitio, trepou o muro e colheu duas maçãs e duas peras. O Ti Joaquim viu e atirou-lhe, de longe,
uma pedrada. Meteu hospital, policia, tribunal, advogado e testemunha. No julgamento, o
advogado do dono da fruta, pediu a condenação do catraio e insinuou que o homem que abonava
a testemunha de defesa do ladrão, teria tido algumas intimidades com a Mãe do catraio e que
isso lhes retirava a condição de gente credível e de bem. A testemunha ergueu-se e dirigindo-se
ao advogado gritou-lhe: Estou aqui para afirmar que a minha vizinha e o seu filho, são muito boa gente. Quanto à minha vida particular, nem uma palavra, ouviu!? Seu...desbragado!...
Durante uns momentos, nem o senhor doutor Juiz falou.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

A consoada

O jovem oficial de dia, reparou que por uma das janelas, do quartel, viradas a Norte, estava
a ser içada qualquer coisa. Investigou e concluiu que era a janela da arrecadação/alojamento
do cabo de dia. Bateu. Demoraram algum tempo a abrir.
O oficial entrou e perguntou: O que se passa aqui?
O cabo abanou a cabeça, mas foi denunciado pelo agitar da cúpula de um monte de lençois
mudados na tarde desse dia, em mais de cem camas.
O tenente, sacando da pistola, gritou: Quem está aí? Surgiu uma cabeça de mulher. Suas
mãos cruzadas, mal cobriam a púbis.
Perante tais evidencias, o cabo, de joelhos em terra, rogou:
Meu tenente, é noite de consoada...

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

A boleia

O jovem professor universitário, não era vaidoso no vestir, e isso era fácil de constatar.
Um dia em que, no seu "chaço"regressava a casa vindo de uma cidade vizinha, um homem,
postado à margem da estrada, de polegar erguido, pedia boleia.
O desprendido professor, parou. Quando se ouviu o agradecimento do homem que acabava
de entrar, logo se viu que se tratava de gente vinda do leste.
Este, depois de observar de alto a baixo, o condutor, pergunta:
Você, também trabalha nas obras? O professor achou piada à pergunta e retrucou:
Trabalho, mas não é nas obras.
O pendura voltou a mirar, para depois insistir:
Ah, já sei...você chega à sua obra, e muda essas botas, as calças...a roupa toda...não é?!...

domingo, 18 de novembro de 2007

A acta

Por via de uma zaragata ocorrida no decurso de uma dominical tarde dançante, a Direcção
da colectividade decidiu reunir para agir em conformidade.
Aconteceu porém, que apenas compareceu o seu Secretário. Este, não se atrapalhou.
Ripou do livro das actas e registou:
---Excepto o signatário, ninguém compareceu para a reunião de hoje. Por isso, e por não
valer a pena, decidi não atribuir responsabilidades a ninguém.
O Secretário da Direcção.---

A anilha

A máquina de lavar roupa esperava, ia para dois dias, por uma anilha de borracha que não era
encontrada no mercado. Entretanto, uma navio carregado com uns milhares de automóveis,
encalhou, e foi destruído pelas ondas, na praia da Madalena. Deram à costa, inúmeros detritos.
Durante uns dias, foi um autentico arraial. Eu, aproveitando um fim de semana, também fui ver.
Na areia, entre muitas outras coisas, havia montes de anilhas de borracha. Apanhei algumas.
Chegado a casa, verifico com algum espanto que uma das anilhas "salvadas"era exatamente
igual à que se tinha estragado na minha máquina de lavar roupa.
---Eu também não acredito em bruxas, mas que as há...há.---

sábado, 17 de novembro de 2007

Lição de tacto

Em Janeiro de 2002, num autocarro, um casal de invisuais treinava, entre os seu dedos, o
conhecimento sobre as características tactuais das novas moedas. Ele, manipulando a moeda
de vinte centimos dizia, pegando-lhe no dedo: Vês; Aqui, há sete ranhurinhas...vá, passa a
tua unha; Uma...duas.........sete. São sete.
Para mim, que assisti à manipulação de todas as oito novas moedas, foi um gosto.
tão grande, que não saí do autocarro, quando este parou mesmo à minha porta!...
Nesse dia, andei um quilómetro mais, para regressar a casa.

Salazar...Salazar...Salazar...

O aparelho do estado, aproveitando a presença de Sua Exª na inauguração do Bairro que iria ter
o seu nome, decidiu promover um comício que iria acontecer no Largo da Feira. Assim, junto ao
Pinheiro Manso, foi montado um grande estrado que alojaria os numerosos convidados e de onde o senhor Presidente do Conselho de Ministros, falaria às massas. Entretanto, um "homem de serviço" usou o microfone para, enquanto "aquecia as massas", fazer o elogio dos
feitos do regime. Acontecia que estavam ali reunidas muitas centenas de pessoas e que o discurso, por efeitos do eco, chegava distorcido às bermas da multidão... assim, quando o orador
referindo-se ao homenageado disse; VIVA, as gentes, lá de longe, responderam; MORRA...
Aqui, um "anónino observador" abeirou-se do estrado e sussurradamente, advertiu:
Esses... vivas... e... esses... morras... têm que ser ditos mais pausadamente...

singelas emoções

A mulher, gesticulando e fando alto, subia pelo mesmo passeio por onde eu descia.
Instintivamente, parei.
A mulher, que continuava a subir, parou a meio metro de mim e perguntou:
Ó meu senhor!...Quanto é, sete euros e meio?
Perante tão insólita pergunta, fiz uma pausa, para depois responder;
Ora, minha senhora, tem que multiplicar por duzentos...
Valha-me Deus, responde a mulher que, aflita, volta a peeguntar: Mas, quanto é?
É um conto e quinhentos, digo-lhe.
Um conto e quinhentos, diz ela com raiva...um conto e quinhentos por uma tesoura!?...
Retomou o seu caminho, bramando; Ladrões!... mas um conto e quinhentos é que eu não dou...
Eu, retomei também o meu caminho, pensando; Quem diria que o euro já cá está há cinco anos!...
---Ambos, de modo diferente, sentiramos singelas emoções.---

sábado, 10 de novembro de 2007

Caminheiro

Lembram-se do velho caminheiro?...Aquele cujas ponteiras das suas duas bengalas faziam toc
toc, no cimento do passeio da calçada!?Pois é o mesmo, agora sob uma mais curta "roupagem".
---Era um caminheiro por obrigação. O seu médico, impôs-lhe: Não pare homem, quando você
parar, morre. Com oitenta e quatro já feitos, sofria de tudo.Desde as varizes às cataratas, depois
de passar pelas hipertensões, sofria um pouco de tudo, sobretudo do caruncho. Vi-o ontem; um
olho entrapado e apoiado em duas bengalas, caminhava desconchavado de pernas abertas. Um
caminhar sofrido. O seu médico dissera-lhe: Quando você parar, será para morrer.
E como ele não queria morrer... andava.

Bailundo

Era uma figura singular.Rude,bom coração,algumas virtudes, outros tantos defeitos.
Apesar de ter "casado" a caixa de velocidades de um Lincoln, com a de um Land Rover,
do qual resultou uma marcha atrás a 80 klm/hora,tinha excelente intuição para a mecânica. Teimoso,conduziu sem carta vários anos.Estando ao volante,parava junto de
autoridades, com as quais trocava umas tretas,para depois seguir"nas calmas" o seu
destino.Um dia,com três pessoas na carrinha, teimou em conduzir levando ao seu lado
uma calibre 12 carregada!...O rewsultado foi um enorme rombo no tejadilho. Também foi
fabricante de"cachipembe".Coisa proíbida.Mas,porque bebia e falava demais,a cada passo, as suas destilarias eram destruídas pelas autoridades. Desistiu do cachipembe
e dedicou-se ao negócio de madeiras.Por pouco tempo. Um dia, surgiu-lhe um nódulo
num braço. Correu meio mundo a pedir socorro. Mas o mal era de morte...

As cascas

No restaurante,os dois jovens,alheios à presença de meia centena de comensais,
olhavam-se enternecidamente.Como não podiam comer-se como gostariam,comian-se
com os olhos.Depois,como sobremesa, mandaram servir-lhes pão queijo e vinho.
Pelas vitualhas,era possível ver que tinham comido tudo.Pois...estavam com fome.
A espaços,a mão esquerda dela,que era cozinheira,enleava-se ardorosamente na mão
direita dele.Ele,que era magala,sob a mesa,catando voluptuosamenteno no colinho
dela,ia comendo o que os dedinhos da sua mão esquerda puderam.Depois,como não podia
comer tudo aquilo que gostaria,estendeu a outra mão até ao pratinho e comeu,uma a
uma,todas as cascas do queijo.