quinta-feira, 27 de março de 2008

A Lua

Naquele Setembro,para variar,o grupinho dos cinco,iria ter a companhia do sobrinho/
afilhado Jorge,que lhes pedira insistentemente para os acompanhar.
Iriam acampar um pouco por todo o país.Assim,no dia aprazado,ainda o sol nascia e já
eles estavam na estrada.A bordo,reinava a alegria e a boa disposição.
Os primos de lá -Angola- gosavam o primo de cá. Ele,o primo de cá,lorpa de aparência,
não tinha nada de parvo.Dava-nos cada resposta que nos punha de boca aberta...
Naquele tempo,ainda não havia auto-estradas.Por isso,seguiamos pela velhinha EN1,e foi algures à margem desta via que tomamos o pequeno almoço.
Perto do meio-dia,já com os estômagos a protestar,paramos para almoçar.
O restaurante não tinha grande aspecto e,por isso,só eu desci.Fui investigar.
Olhei em redor.Três pequenas mesitas,com toalhas garridas...modesto,mas limpo.
Aproximou-se de mim,do lado de fora do balcão,uma alentejana ainda jóvem,de lenço
garrido sobre a cabeça.Foi sorrindo que perguntou;Que vai o meu senhor querer? Nós
somos seis,respondi:Dois adultos e quatro jóvens...será que podemos almoçar?
Se podem almoçar? Claro que podem,nós estavamos à vossa espera...Ela própria assomou
à porta da rua e,acenando para o nosso automovel exclamou:venham...podem vir...há
lugar para todos!...
Tivemos sorte ao parar ali.
Comemos de tudo um pouco.Porém,como aquilo era uma taberna,a nossa refeição foi à base de petistos. E que petiscos!?...
Ainda hoje,que os jóvens já são Avós,falamos deste almoço...Até do preço temos saudades!...Seis pessoas comeram e beberam,por pouco mais de trinta escudos!...
E o remate!? Quando lhe estendi as duas notas de vinte e lhe disse para guardar o troco,já não me deixou sair sem provar um cálice do "seu" medronho...
Fomos armar a tenda em Lagos.
Dormimos junto da praia,uns quase em cima dos outros,mas...muito felizes.
Ao levantar,como bons provincianos,fomos molhar os pés...é que nem tudo lembra...e nós não tinhamos levado fatos de banho.
Tomamos o pequeno almoço por ali.Depois,ao longo da EN125,fomos parar a Vila Real de
Santo António,onde fizemos uma grande pausa.
Todos quizeram ir a Espanha...era só atravessar o rio!...Mas não pudemos ir todos.
Os dois rapazes mais velhos não puderam ir...é que eles poderiam dar o "salto"para
fugir à tropa...em Angola,havia guerra...
Por isso,apenas foram ao outro lado; a miúda angolana,o sobrinho/afilhado e o casal de adultos.
Foi aqui,no regresso da ida ao outro lado,que aconteceu a história da Lua.
A noite estava limpida,linda.O belo circulo da Lua exibia-se lá do alto...o nosso
sobrinho,olhando-a do outro lado,exclamou:Ó padrinho,aquela é a Lua espanhola,não é?
Fomos armar a tenda em Monte Gordo.Os mosquitos não pararam de nos apoquentar.
Definidos os azimutes,decidimos ir dormir a Viseu e lá fomos serra acima.
Quando a miudagem começou a ficar inquieta,paramos no primeiro restaurante que nos
apareceu à beira da estrada.Azar nosso!...
Com que saudades recordamos a tasquinha alentejana!...Apetecia chorar.
Talvez por isso,o céu também desatou a chorar...
De tenda armada no parque do Fontelo,em Viseu,ninguém conseguia dormir...chovia mais
dentro da tenda do que na rua...
Só nos restou guardar e encafuar no automóvel todos os trastes e correr para a cidade
da Guarda onde,alugando um Bungaló,pudemos descansar o resto da noite.
Quando amanheceu,o sol raiava de novo.Os encartados campistas amadores,que trouxeram para o "campo" uma tenda de "praia",puseram todos os panos a secar ao sol...
Fazia lembrar um arraial de ciganos.Porém; todos muito bem dispostos.
Esta imprevista paragem na Guarda,teve duas virtudes:A oportunidade de visitar o Castelo de Belmonte e ainda o de abraçar um saudoso amigo que,por aposentação,deixara
Angola alguns anos antes.
O Alvaro Nascimento e a sua simpática esposa,receberam-nos com todo o carinho.
A refeição que nos obrigaram a aceitar,ainda hoje é gratamente recordada.Veja-se:
Pão de centeio,acabado de sair do forno.Uma perna de presunto para retalhar.Um enorme
queijo da serra,devidamente entrapado e,vinho da própria lavra...um sonho.
Aos jóvens,foi-lhes oferecida uma sopinha caseira que cheirava que era uma delícia,
mas ninguém os conseguiu convencer das vantagens da sopinha...
Excepto no vinho da própria lavra,toda a gente alinhou na receita dos adultos.
Depois da despedida,rumamos para o Nordeste.Mais uma vez tivemos de corrigir a rota.
A chuva voltou a cair.
Estavamos em Vila ,Real e decorria ali uma Feira de divulgação dos vinhos verdes daquela região.
Porque a chuva se impôs,a nossa digressão terminou ali.
Mas,durante umas boas semanas,em casa, no Porto,apenas se bebeu verde de Vila Real.

quarta-feira, 26 de março de 2008

O cabide

Naquela fria manhã de Janeiro,junto ao portão nascente do Tribunal de Gondomar,havia grande alarido.Gente p'ra trás e p'ra a frente,cadernos de notas à mão,câmaras de filmar e muitos jornalistas.
Não resisti e perguntei a um daqueles azafamados portadores de cadernos de notas:
desculpe; a que se deve todo este cenário?
O jornalista sorriu, e respondeu: é o apito dourado,amigo!...vem aí o Valentim...
Eu,estava esclarecido.
Subi as escadas e fui para o hall, onde muitas pessoas aguardavam ser chamadas para
intervir nos mais diversos julgamentos.
Para matar o tempo,fui-me entretendo a ler os vários documentos afixados.
Entretanto,surgiu-me a necessidade de usar os sanitários.
Quando me preparava para o acto,verifiquei que nada havia onde eu pudesse pendurar o
sobretudo...foi uma situação caricata que me dispenso de descrever.
Aliviado da tripa,decidi agir.Dirigi-me a um segurança e perguntei-lhe onde poderia apresentar uma reclamação.Apontou para um guiché.Lá fui.
Nisto,ouvi grande alarido.
Era o senhor Major que chegava;discreto.Apenas duas ou três pessoas o acompanhavam.
Chegado ao guiché,pedi: Por favor...alguém lá do fundo da grande sala,perguntou: o que pretende? Fazer uma reclamação,respondi.
Reclamação!?...Que reclamação!?...Quero fazer uma reclamação no livro próprio.
O homem fez uma cara de espanto e arreganhando a queixada olhou para os seus colegas
e respondeu-me dizendo:O livro está na Secretaria Geral.Terceiro guiché, aqui deste
lado. Agradeci e fui.
Atendeu-me a Dona Aurora.O que pretende,disse:Pretendo que seja accionada a accão necessária para que seja instalado um cabide no interior do WC dos homens e quero registar esta minha pretensão no livro de reclamações.
A Dona Aurora estava perplexa!...
O Senhor quer que seja instalado um cabide na porta do WC dos homens!?...
Sim,minha Senhora.
A Dona Aurora,inquieta,desabafou:O Senhor faz ideia do trabalhão que vai dar,a tanta
gente, se escrever isso no livro?...Olhe que temos de mandar uma data de cópias para
tanta gente que o Senhor nem imagina!...Olhe que o livro ainda está em branco!...
Desolada,a Dona Aurora voltou a desabafar:Até hoje,ninguém reclamou nada!...
Eu,já com alguma pena da Dona Aurora,insisti: Mas,minha senhora; é apenas um simples cabide...uma coisita de metal ou até de plástico...que custa poucos centimos!...
A Dona Aurora,já arisca,ripostou: O Senhor sabia que nós,neste Tribunal,não dispomos de qualquer verba,seja para o que for!...Aqui, falta tudo...não temos dinheiro para
nada...
Depois,em tom de súplica,insistiu:O Senhor,continua a querer o livro de reclamações?
Fiz uma pausa,para depois exclamar;Desisto,minha Senhora,não quero tão grande peso na minha consciência...
A Dona Aurora,reconhecida,baixou o seu tom de voz para dizer: Não há dinheiro,mas eu
prometo que,quando cá voltar,irá encontrar fixado,do lado de dentro da porta do WC dos homens,um cabide.Nem que tenha de o pagar do meu bolso!...

Ainda há gente de palavra neste mundo...
Dias depois,de propósito,fui lá ver.

O cabide já lá estava.

terça-feira, 18 de março de 2008

Mão amiga

Sob o alvo lençol que o cobria, o paciente estava nú.
Deitado na marqueza, já sob as potentes luzes da sala de operações e sobretudo devido ao efeito da anestesia, pairava no ambiente que o rodeava, uma extraordinária leveza, apenas afectada pela ansiedade de saber como ficariam os seus olhos, depois da intervenção às cataratas que estava para lhe acontecer.
Iam "tratar-lhe" do olho esquerdo.
O direito, seria tratado depois, de acordo com o comportamento do esquerdo.
Alguém poisou uma qualquer cobertura sobre o rosto do paciente, depois de lhe terem fixado a cabeça à cama, para que não pudesse movê-la.
Depois, cada vez mais atordoado, sentiu que lhe descobriam o olho a intervencionar. Era uma luz intensissima, que o olho interpretou como semelhante ao sinal aritmético de igual: dois tracinhos paralelos, de cores incandescentes.
O paciente ouvia todos os sons à sua volta e raciocinava perfeitamente. Pelo menos assim supunha, pois...pensando melhor...um tanto atordoadamente.
Mas sentia remexer no interior do olho...não sentia dor, apenas uma desagradável sensação, acompanhada de um odor que ele não conseguia classificar...
A quê?...a queimado ?...
O cristalino do seu olho esquerdo, depois de destruído pelo lazer, estava agora a ser sugado.
O paciente ouvia perfeitamente o silvar do pequeno, mas eficiente, aspirador.
Ainda conseguiu ouvir a voz de alguém, ao dizer: Ainda há ali um pedacito...E outra voz replicar:
Estou a vê-lo perfeitamente...para logo acrescentar; Pronto, já saiu, já está limpinho...
Foi por esta altura que sentiu "qualquer coisa" tocar-lhe na coxa esquerda...algo que se movia...
Depois, foi a sua mão esquerda, postada ao longo do seu corpo, que foi tocada...
Outra mão, tacteando, procurava a sua mão... Encontrou-a, tocou-lhe ligeiramente...depois, a intrusa mão, encaixou-se com a mão do paciente...envolveu-a, sedosa e meigamente...
A mão anestesiada, agradeceu a esmola daquele carinho e, tanto quanto pode, apertou aquela mão amiga. Não sentiu, depois disto, nada mais...
Bendita mão.
Voltou a ouvir, algum tempo depois, uma das vozes dizer:
Pronto, acabou, ficou excelente...está pronto para outra...
A mão, separou-se então da mão dormente... que, ficou com pena...
Duas horas depois, o paciente, já vestido e pronto para regressar a sua casa, ainda sentia na sua mão esquerda, a suavidade daquele toque, daquela mão amiga...

Era uma vez...

Em tempos que já lá vão, existiu uma família composta de Pai, Mãe, e cinco filhos; três meninas e dois meninos. Porque eram muitos e o dinheiro que o Pai ganhava era pouco, viviam com algumas dificuldades. Mas não passavam fome!...simplesmente não podiam comer o que gostariam. Também não podiam vestir ou calçar o que queriam, mas apenas aquilo que os seus pais pudessem comprar-lhes. As roupinhas das meninas mais velhas eram "arranjadas" para poderem servir às mais novas. E com o calçado era a mesma coisa. Os Pais sempre davam um jeito para que todos andassem sempre muito asseados e com as barriguinhas cheias. Os Pais eram muito governados, quer dizer, não gastavam nada mal gasto. E tinha que ser assim, pois de outro modo como poderiam alimentar as sete bocas e trazer os cinco filhos na escola ?

Naquele tempo ainda o povo não sabia o que era o "planeamento familiar"e as famílias eram quase sempre assim, muito numerosas...é que fazer o que quer que fosse, para impedir a vinda a

este mundo, dos meninos ou meninas, era um pecado mortal...

Já a Mãe desta Mãe, e as Mãesde todas as outras Mães, tinham sido Mães de muitos meninos e meninas. Porém, graças ao sábio controlo do parco salário do pai, esta família vivia sem dever nada a ninguém, e todos os filhos andavam na escola. O mais velho na Escola Industrial, e a menina, a mais nova de todos os cinco, já aprendia as primeiras letras na Escola Infantil.


A Mãe, graças a Deus, gosava de boa saúde. Já o Pai, não. Sofria do estomago.Já tinha feito radiografia e a ulcera era bem visível.

Se a dieta e a medicação não curassem a ulcera, teriam de encarar a operação cirurgica que, naquele tempo, era muito arriscada. Porém, parecia inevitável. Assim, certo dia, o Pai, acompanhado pela Mãe, iam a caminho do hospital, quando se aproximou deles um cauteleiro tentando vender-lhes uma "cautelinha". A Mãe, angustiada, perante a insistencia do cauteleiro, desabafou: Ó homem!...então você não vê que o meu marido está muito doente!?...Olhe que ele vai a caminho do Hospital para fazer uma operação ao estomago!...

O cauteleiro, aparentando estar alarmado, sentenciou: Você não vá...olhe que você vai entrar pela porta da frente, mas pode ter de sair pela porta de trás!...não vá...não vá!....

O casal entreolhou-se. O Pai, falando com os olhos, perguntava à Mãe; Voltamos para trás?...

O cauteleiro, profundo conhecedor do seu oficio, insistia; Não vá homem...compre-me uma cautela...volte pra casa...durante dois ou três meses beba só leite, e não se rale muito co'a vida...

olhe que muita ralação faz má digestão!...


A argumentação do cauteleiro prevaleceu.

Compraram uma cautela ao coxo e voltaram para casa.

Depois, bem, depois, aconteceu o primeiro milagre. No sábado- naquele tempo a roda da lotaria andava ao sábado- verificaram que a cautela estava premiada. Não foi grande o prémio, mas foi o suficiente para realizarem um sonho antigo; comprar um belo cordão de ouro, que era o desejo de todas as mulheres e, por outro lado, era como um depósito bancário...estava sempre a valorizar.


Depois, o segundo milagre, foi acontecendo...a família cresceu. Chegou aos doze!...

E quando o Pai faleceu, já na casa dos noventa, ainda a tal operação não tinha sido feita...



A rabeca

Estavamos em finais de 1948 e o cenário era oferecido pelo Bairro residencial da Pooling em Nova Lisboa, Angola. Tal Bairro era constituído por casas de quatro, três, ou duas assoalhadas, conforme os agregados familiares. No fundo de cada quintal, situavam-se os anexos, que eram constituídos por lavandaria, quarto de dormir do empregado/a, casa de banho com duche, lavatório, sanita e cozinha.
Um dos utentes da "Pooling"era um soldador, muito competente, conhecido como Zé da Rabeca.
Era casado com a Dona Elvira e tinham três filhos: Dois rapazes e uma menina.
A empregada para todo o serviço era uma mesticinha ainda jóvem que, como é lógico, ocupava o quarto de dormir dos anexos.
Tudo decorria naquela casa com normalidade, até que um dia a Dona Elvira pareceu ver uma certa troca de olhares e um cochicho, entre a Zulmira, a empregada, e o seu Zé.
Atenta, a Dona Elvira reparou que, certa noitinha o seu Zé, de rabeca ao ombro, se preparava para, à sorrelfa, sair de casa. Também à sorrelfa, a Dona Elvira seguiu o marido e viu sem grande surpresa que este se dirigia para os aposentos da empregada.
Saiu-lhe ao caminho e enfrentou-o dizendo: Para onde vais meu menino?...
O seu Zé, vendo-se descoberto, decidiu fingir; e semicerrando os olhos e estendendo os braços para a frente, soletrou: Deixa-me mulher, deixa-me que eu sou sonambulo...
A Dona Elvira, sem hesitação, terá dito: Ai tu és sonambulo? Então espera aí que eu já te acordo.
E, sacando a rabeca do ombro do seu Zé, espatifou-lha sobre a cabeça...
É claro que o Zé nega.
Diz ele que de facto a rabeca se espatifou, simplesmente porque ele tropeçou e caiu em cheio sobre ela...
Estórias!...

segunda-feira, 17 de março de 2008

O buquê

Naquele tempo, muito antes de ser o Inspector Principal da C.P. Minho e Douro, o Senhor Inspector esteve estacionado na Régua uma boa meia dúzia de anos, onde criou perenes amizades.
Um dia, a casa Ferreirinha, creio que numa qualquer comemoração, ofereceu um beberete às pessoas gradas da terra.
Foi muito prestigioso para o senhor Inspector Principal o convite que recebeu, já que ele deixara a Régua ia para dez anos.
Nessa ocasião, quem chefiava aqueles serviços na Régua era um cunhado do senhor Inspector, também convidado, e que tinha a sua residência permanente em Campanhã.
Foi bom. Fariam companhia um ao outro. Iriam e regressariam juntos.
No beberete, como era esperado, estavam presentes os mais prestigiados convidados.
Houve discursos.
Iria seguir-se a prova. Alguém pediu silêncio.
Um gourmet, devadamente paramentado, anunciou: Excelências; Vai ser servido o mais nobre vinho das nossas caves...um vintage de 1758, que mereceu as melhores referências no catálogo da Christie`s em 1765!...
Seguiu-se um outro de 1820... a seguir outro vintage de 1851...um nunca acabar de preciosidades, sempre acompanhadas de saborosos aperitivos.
Numa salinha, ao lado daquela onde decorria o beberete, havia mesmo uns pratinhos com algo mais substancial...espetadinhas de presunto, croquetes, bolinhos de bacalhau...e até umas tirinhas de broa de Avintes, entre outros mimos.
As provas sucediam-se com tal frequência que quem não tivesse "lastro"suficiente, corria o risco de ter de sair dali "amparado".
Era o que ia acontecendo ao cunhado do senhor Inspector.
Já sentados na carruagem de1ª classe que os traria de regresso a Campanhã, o cunhado, atordoado, deixou-se tombar sobre o fofo assento...por entre os seus lábios, ligeiramente abertos,
saía um fino e perfumado laivo de um buquê vintage...
Foi preciso elevar-lhe ligeiramente a cabeça...

domingo, 9 de março de 2008

Linha 401

O condutor do autocarro,foi fixe.
Estava parado num stop quando me viu a atravessar a passadeira.
Nem precisei de pedir.
Eles,que,normalmente,não permitem as saidas ou entradas,fora dos locais assinalados...
Entrei e agradeci-lhe. Respondeu com um ligeiro sinal de cabeça.
Depois de enfiar o bilhete no casulo electrónico,sentei-me.
Atrás de mim,exatamente no lugar que fazia costas com o meu,comecei a ouvir uma voz de mulher que,alto e em bom som,se dirigia a outro passageiro, que eu também não podia ver,já que eu seguia de costas para todo o autocarro.
Dizia então a tal voz: Não querem lá ver?!...Então eu mudei de lugar para não ter chatices,e vem um filho da puta qualquer e desata a palpar?!...E continuou: Eu, logo que me sentei,bem senti a sua mão,pousada no assento debaixo do meu rabo...desconfiei...Depois,começou a fazer-me cócegas nas pernas,o cabrão!...
Uma voz de homem,em tom surdo,pedia desculpas em termos que não entendi muito bem...
O que é certo é que a tal voz aproveitou a próxima paragem para se safar...

A vítima prosseguiu...
Ainda se fosse um gajo jeitoso...agora um cabrão feioso e ainda por cima marreco!...
Chiça!...

Fez uma ligeira pausa para depois desabafar:Até me sinto ofendida...

Pouco depois,quando ela descia do autocarro,pude vê-la através da vidraça...
Era nova,loira e muito jeitosa...

quinta-feira, 6 de março de 2008

O beliche

A viagem começara em Vila Luso.
Eram seis da tarde,quando se fez ouvir o estridente silvo do apito do chefe da Estação,logo seguido pelo início da marcha do comboio e do clássico tan..tan dos
rodados a pisar as emendas dos carris.
Com destino a Nova Lisboa,o casal ocupava um dos coupés da carruagem.
Ainda o comboio não tinha chegado à Chivanda e já um empregado da carruagem restaurante batia discretamente à porta do compartimento,avisando de que iria
ser servido o jantar.
Quando regressaram,pouco passaria das 19 horas,recolheram-se ao seu coupé.
Puseram-se à vontade e cada um trepou para o seu beliche.
Ele no de cima,ela no de baixo.
Ela lia uma revista de modas.Lá em cima,ele,lendo um policial,ouvia o folhear...
Voltou a ser ouvido o tan..tan dos rodados...
Ajudava a chegada da vontade de dormir...
Ele,em cima,deixou de ouvir o folhear da revista de moda.
Olhou o seu relógio.Pouco passava da uma da manhã.

Algum tempo depois,a cama de baixo mexeu-se.
Ela,mimalha,gemia: Tenho frio!...
Ele,solicito,respondeu:Queres que te vá aquecer?
Sim,vem: Disse ela. Trás o cobertor...

Ele desceu.
Carinhosamente,cobriu-a.

Eram 6:30 quando uma leve batida na porta,os avisava da chegada a Nova Lisboa.

quarta-feira, 5 de março de 2008

Pobre Hermínio

O Hermínio era um infeliz.
Casado,esposa com pouca saúde e vivendo cheia de desgostos,dois filhotes ainda
muito pequenos.
Ele não era má pessoa; Apenas bebia para além da conta.
Todo o dinheiro que lhe ia parar as mãos,era transformado em vinho.
Uma pena!
Um dia,por não ter pago em devido tempo uma dívida,numa loja,confiscaram-lhe um
terço,do seu já escasso ordenado.
A sua vida,que já era dificil,tornou-se impossivel.
Tentou suicidar-se,como se isso fosse a solução para as suas dificuldades...
Meteu-se a frente de um comboio.
A violenta pancada atirou-o para a valeta.
Esteve uma grande temporada no Hospital e,quando regressou,vinha todo torçido
das costas e coxo...
Não viveu muito tempo mais.

Uma manhã foram encontrá-lo morto no interior de um galinheiro situado no fundo
do seu pequeno quintal.O Hermínio,em vida,media cerca de 1,75 metros de altura...
Quem quisesse entrar no tal galinheiro, teria que se baixar.

Desesperado,o Herminio,sentou-se no chão do galinheiro...e bebeu,bebeu,até tombar.
Morreu enforcado...sentado.

A cordita que usou,que nem corda era,com nó górdio e tudo,pouco mais de um
metro tinha!...