terça-feira, 18 de março de 2008

Mão amiga

Sob o alvo lençol que o cobria, o paciente estava nú.
Deitado na marqueza, já sob as potentes luzes da sala de operações e sobretudo devido ao efeito da anestesia, pairava no ambiente que o rodeava, uma extraordinária leveza, apenas afectada pela ansiedade de saber como ficariam os seus olhos, depois da intervenção às cataratas que estava para lhe acontecer.
Iam "tratar-lhe" do olho esquerdo.
O direito, seria tratado depois, de acordo com o comportamento do esquerdo.
Alguém poisou uma qualquer cobertura sobre o rosto do paciente, depois de lhe terem fixado a cabeça à cama, para que não pudesse movê-la.
Depois, cada vez mais atordoado, sentiu que lhe descobriam o olho a intervencionar. Era uma luz intensissima, que o olho interpretou como semelhante ao sinal aritmético de igual: dois tracinhos paralelos, de cores incandescentes.
O paciente ouvia todos os sons à sua volta e raciocinava perfeitamente. Pelo menos assim supunha, pois...pensando melhor...um tanto atordoadamente.
Mas sentia remexer no interior do olho...não sentia dor, apenas uma desagradável sensação, acompanhada de um odor que ele não conseguia classificar...
A quê?...a queimado ?...
O cristalino do seu olho esquerdo, depois de destruído pelo lazer, estava agora a ser sugado.
O paciente ouvia perfeitamente o silvar do pequeno, mas eficiente, aspirador.
Ainda conseguiu ouvir a voz de alguém, ao dizer: Ainda há ali um pedacito...E outra voz replicar:
Estou a vê-lo perfeitamente...para logo acrescentar; Pronto, já saiu, já está limpinho...
Foi por esta altura que sentiu "qualquer coisa" tocar-lhe na coxa esquerda...algo que se movia...
Depois, foi a sua mão esquerda, postada ao longo do seu corpo, que foi tocada...
Outra mão, tacteando, procurava a sua mão... Encontrou-a, tocou-lhe ligeiramente...depois, a intrusa mão, encaixou-se com a mão do paciente...envolveu-a, sedosa e meigamente...
A mão anestesiada, agradeceu a esmola daquele carinho e, tanto quanto pode, apertou aquela mão amiga. Não sentiu, depois disto, nada mais...
Bendita mão.
Voltou a ouvir, algum tempo depois, uma das vozes dizer:
Pronto, acabou, ficou excelente...está pronto para outra...
A mão, separou-se então da mão dormente... que, ficou com pena...
Duas horas depois, o paciente, já vestido e pronto para regressar a sua casa, ainda sentia na sua mão esquerda, a suavidade daquele toque, daquela mão amiga...

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