quarta-feira, 26 de março de 2008

O cabide

Naquela fria manhã de Janeiro,junto ao portão nascente do Tribunal de Gondomar,havia grande alarido.Gente p'ra trás e p'ra a frente,cadernos de notas à mão,câmaras de filmar e muitos jornalistas.
Não resisti e perguntei a um daqueles azafamados portadores de cadernos de notas:
desculpe; a que se deve todo este cenário?
O jornalista sorriu, e respondeu: é o apito dourado,amigo!...vem aí o Valentim...
Eu,estava esclarecido.
Subi as escadas e fui para o hall, onde muitas pessoas aguardavam ser chamadas para
intervir nos mais diversos julgamentos.
Para matar o tempo,fui-me entretendo a ler os vários documentos afixados.
Entretanto,surgiu-me a necessidade de usar os sanitários.
Quando me preparava para o acto,verifiquei que nada havia onde eu pudesse pendurar o
sobretudo...foi uma situação caricata que me dispenso de descrever.
Aliviado da tripa,decidi agir.Dirigi-me a um segurança e perguntei-lhe onde poderia apresentar uma reclamação.Apontou para um guiché.Lá fui.
Nisto,ouvi grande alarido.
Era o senhor Major que chegava;discreto.Apenas duas ou três pessoas o acompanhavam.
Chegado ao guiché,pedi: Por favor...alguém lá do fundo da grande sala,perguntou: o que pretende? Fazer uma reclamação,respondi.
Reclamação!?...Que reclamação!?...Quero fazer uma reclamação no livro próprio.
O homem fez uma cara de espanto e arreganhando a queixada olhou para os seus colegas
e respondeu-me dizendo:O livro está na Secretaria Geral.Terceiro guiché, aqui deste
lado. Agradeci e fui.
Atendeu-me a Dona Aurora.O que pretende,disse:Pretendo que seja accionada a accão necessária para que seja instalado um cabide no interior do WC dos homens e quero registar esta minha pretensão no livro de reclamações.
A Dona Aurora estava perplexa!...
O Senhor quer que seja instalado um cabide na porta do WC dos homens!?...
Sim,minha Senhora.
A Dona Aurora,inquieta,desabafou:O Senhor faz ideia do trabalhão que vai dar,a tanta
gente, se escrever isso no livro?...Olhe que temos de mandar uma data de cópias para
tanta gente que o Senhor nem imagina!...Olhe que o livro ainda está em branco!...
Desolada,a Dona Aurora voltou a desabafar:Até hoje,ninguém reclamou nada!...
Eu,já com alguma pena da Dona Aurora,insisti: Mas,minha senhora; é apenas um simples cabide...uma coisita de metal ou até de plástico...que custa poucos centimos!...
A Dona Aurora,já arisca,ripostou: O Senhor sabia que nós,neste Tribunal,não dispomos de qualquer verba,seja para o que for!...Aqui, falta tudo...não temos dinheiro para
nada...
Depois,em tom de súplica,insistiu:O Senhor,continua a querer o livro de reclamações?
Fiz uma pausa,para depois exclamar;Desisto,minha Senhora,não quero tão grande peso na minha consciência...
A Dona Aurora,reconhecida,baixou o seu tom de voz para dizer: Não há dinheiro,mas eu
prometo que,quando cá voltar,irá encontrar fixado,do lado de dentro da porta do WC dos homens,um cabide.Nem que tenha de o pagar do meu bolso!...

Ainda há gente de palavra neste mundo...
Dias depois,de propósito,fui lá ver.

O cabide já lá estava.

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