sábado, 12 de novembro de 2011

Casa das sandes

Entrei para o 800, provindo de Gondomar,na paragem que se situa a meia dúzia de passos do portão do logradouro que enfrenta o meu prédio de 46 condóminos e, dando uma longitudinal olhadela a todo o miolo do autocarro vislumbrei,bem lá ao fundo,no atrelado,um lugar vago.
Melhor direi se disser que tal lugar estava ocupado pela enorme sacola da passageira que,sentada do lado da janela, fazia uma coisa que pouco se ve já nos dias que
correm: Malha.
Era uma manga daquilo que viria a ser, mais tarde,um pulôver.
Aproximei-me, parei, e apontando o lugar mal ocupado, proferi: Dá licença?
A passageira, sem largar as longas agulhas e o fio de lã de cor acastanhada que segurava entre os dedos, monologou sem sequer me olhar: Estava vago...
Agradeci e sentei-me.
De soslaio,olhei o constante dedilhar e comentei:
Pouca gente, hoje, ainda faz malha!...
Tive resposta imediata quando ouvi: É uma camisola para um dos meus dois rapazes, e eu aproveito este tempo da viagem para a ir fazendo...
Depois,fazendo uma pausa no seu dedilhar, cutucou-me no braço para me dizer:
Também, se não fosse durante as viagens, quando é que eu teria tempo para a fazer?
De seguida, torceu ligeiramente o pescoço na minha direcção, para acrescentar: veja bem; levanto-me ás sete e depois de tomar o pequeno almoço, tenho de adiantar o almoço para os meus rapazes, que o meu Pai - que já está aposentado - acabará quando forem horas.
Quando saio de casa para o emprego, já passa das dez...porque eu entro às onze e meia e só saio do trabalho depois das sete da noite!...
Tá ver...se não fosse agora, quando é que eu tinha tempo para fazer a camisola?
E acrescentou:
Saio no Bonfim, logo a seguir à Igreja,apanho a rua de Pinto Bessa e desço lá ao fundo, em frente da Estação de Campanhã, mesmo ao pé do meu trabalho...é só atravessar a rua.
É na Casa das Sandes; não conhece? Come-se lá muito bem!...Eu não sirvo clientes, estou só na cozinha.
Admirei o seu orgulho quando acrescentou: E não quero lá mais ninguém! Aquela cozinha anda que nem um brinquinho.
Após ligeira pausa acrescentou. O meu ordenado não é por aí além, mas é certinho.

E porque a paragem do Bonfim se proximava foi guardando as suas "coisas" enquanto afável me dizia: Apareça por lá um dia destes...
Olhe: se for; abro uma excepção e vou eu lá servi-lo...

Já no passeio e enquanto o 800 passava por ela, ergueu um braço para me dizer adeus, acompanhado de um rasgado sorriso.

Sem comentários: