sábado, 12 de novembro de 2011

A doutora Adelaide

No meu matutino e diário passeio, vejo-a na rua com muita frequência.
Vergada ao peso dos seus quase noventa anos, ainda vai saindo de casa para fazer as suas compritas.
Já a conheço há vários anos, desde o tempo em que ela - ainda a tempo inteiro - exercia as funções de directora técnica de uma farmácia lá das minhas redondezas.
É solteira e, pasme-se, sempre viveu só, e ninguém lhe conhece qualquer parente.

Hoje, encontrei-a na loja onde habitualmente compro fruta, ou outras pequenas coisas para consumo imediato.
Quando entrei, estava a doutora Adelaide a mexer em cachos de bananas, ainda contidos na original caixa de grosso cartão prensado, onde ainda se podia ler Produto da Colõmbia.
Tinha nas mãos um cacho com oito ou nove bananas,
Olhou, apalpou, voltou a olhar, para depois dizer tão baixinho que só eu pude ouvir por estar muito próximo dela: São muitas!...
Esgalhou o cacho, ficou com quatro nas mãos e voltou a pôr na caixa as restantes.
De seguida, sem reparar que eu estava antes dela, entrou na fila para pagamento. Entretanto, perguntou à dona da loja: Ò Guidinha, o que me aconselha a fazer para destruir umas papeladas que tenho lá em casa?
A bojuda lojista, super atarefada e sem olhar a doutora, respondeu-lhe: Olhe; queime-os!...
Um outro feeguês, postado na fila e que tinha nas mãos uma embalagem de papel com seis cervejas, meteu~se na conversa para dizer: Mas não faça muito fumo, senão alerta os bombeiros que lo aparecerão para saber qual a origem do fumo!...
Foi quando a lojista retrucou; Queime-os dentro de uma lata!...
O freguês das cervejas parece não ter gostado porque logo retrucou: E queimados dentro da lata já não fazem fumo?
Após uma ligeira pausa, a lojista, que tinha estado de gaveta aberta a fazer uns trocos e sem olhar para ninguém sentenciou: Ou então, rasgue-os.

A doutora Adelaide muito pausadamente mas a tremelicar faz-se ouvir dizendo: Rasgar é que não...é papelada de muita responsabilidade que pode ser apamhada por alguém mal formado que aproveite os nomes e os endereços para fazer qualquer vigarice!... Prefiro queimá-los.
E, voltando-se depois para o homem das cervejas - que me pareceu ser seu vizinho - acrescentou: O senhor não tem lá por sua casa uma lata velha e grande, para eu os queimar?
Este, depois de demorada e silenciosa olhadela para a velha doutora, responde enquanto encolhe os ombros:
Deixe lá doutora, não se preocupe com a papelada...um dia destes eu passo lá por sua casa e levo a lata para os queimar.

A senhora doutora parece ter ficado tão contente com a oferta que até deu um beijinho na face do homem das cervejas

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